quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Traições mnemônicas

Quem nunca se empolgou para contar aquela piada, aquela história incrível a um amigo e, pouco depois de começar a narração, foi constrangedoramente interrompido pelo comentário “Mas fui EU quem te contou isso!”? Pois bem, esses que atirem a primeira pedra.
Estamos todos seguros, provavelmente ninguém vai atirar nada (pelo menos, não por isso). Psicólogos americanos constataram, em um estudo publicado na revista Psychological Science, que se trata de um tropeço natural da memória e pode surpreender qualquer um de nós. Vamos entender.
Memória de origem – identifica a fonte da informação.
Fundamental quando, no consultório, me lembro da história de cada paciente, sem confundi-los.
Memória de destino – identifica o destino da informação.
Fundamental quando você, com a melhor das intenções (sempre!), contou diferentes versões de um mesmo fato para diferentes pessoas. Para sustentar sua mentira (nome que se dá a este outro fenômeno...), é imprescindível saber para QUEM você contou O QUÊ.
No entanto, essas memórias funcionam diferentemente.
Quando recebemos uma informação, estamos  
focados no contexto
Associamos seus elementos (e.g., a história que ouvimos e seu narrador) e essas associações nos ajudam a lembrar o que aconteceu com quem e quando. Por isso, a memória de origem é mais precisa.
Quando passamos uma informação, além do contexto, estamos bastante 
focados em nós mesmos
no modo como contamos. Ou seja, ficamos divididos entre nós mesmos e o outro, que recebe menos atenção. Por isso, a memória de destino falha mais.
Em resumo: atenção e memória trabalham juntos. Diminuindo o foco em si mesmo – que pode não ser simples, se você vive nessa cultura –, sua memória agradece e promete te constranger menos.

Observações:

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Terapia para o coração

[Advertência: postagem em linguagem técnica] 
A literatura científica evidencia a relação entre fatores psicossociais1 (estados emocionais, eventos estressores agudos/crônicos e suporte social) e doenças cardíacas, apontando a possibilidade de prevenção e atenuação destas patologias por meio de intervenção cognitiva ou comportamental, como propõe o novo campo da cardiologia comportamental2.
Condições emocionais que são fatores de risco significativo para doenças cardiovasculares incluem
  • Depressão: associada a doenças coronarianas arteriais3 e cardíacas4,5, infarto do miocárdio6,7, isquemia cardíaca8 e parada cardíaca7;
  • Ansiedade: associada a infarto do miocárdio e morte em pacientes com doenças coronarianas arterial e cardíacas9,10;
  • Preocupação: associada à aceleração do ritmo cardíaco e à redução da sua variabilidade11 (fatores de risco para doenças cardiovasculares) e ativação das atividades cardiovascular, endócrina e imunológica12;
  • Agressividade: associada à morbidade e à mortalidade13,14 por comprometimentos cardiovasculares;
  • Estresse: associado a doenças coronarianas arterial e cardíacas15,16, provoca a ativação prolongada da atividade cardíaca17,18.
A interação entre esses fatores e doenças cardíacas é tradicionalmente explicada pela reatividade fisiológica, segundo a qual respostas fisiológicas elevadas durante eventos estressores excitam o organismo19,20, levando a mudanças no balanço fisiológico e conduzindo ao adoecimento. Mais recentemente, entende-se que a perseveração cognitiva (ou ruminação mental) permite um esclarecimento adicional: a inflexibilidade prolonga a ativação cognitiva provocada pelos eventos estressores, estendendo a reatividade fisiológica, o que contribuiria para o desenvolvimento de conseqüências nocivas à saúde, incluindo doenças cardiovasculares17,21.


Referências bibliográficas:

1. Everson-Rose, Susan A., & Lewis, Tené T. (2005). Psychosocial Factors and Cardiovascular Diseases. Annual Review of Public Health, 26, 469-500.
2. Rozanski, A., Blumenthal, J. A., Davidson, K. W., Saab, P. G., & Kubzansky, L. (2005). The Epidemiology, Pathophysiology, and Management of Psychosocial Risk Factors in Cardiac Practice - The Emerging Field of Behavioral Cardiology. Journal of the American College of Cardiology, 45, 637-651.
3. Rozanski, A., Blumenthal, J. A., & Kaplan, J. (1999). Impact of Psychological Factors on the Pathogenesis of Cardiovascular Disease and Implications for Therapy. Circulation, 99, 2192-2217.
4. Bunker, S. J., Colquhoun, D. M., Esler, M. D., Hickie, I. B., Hunt, D., Jelinek, V. M., Oldenburg, B. F., Peach, H. G., Ruth, D., Tennant, C. C., & Tonkin, A. M. (2003). “Stress” and coronary heart disease: psychosocial risk factors. The Medical Journal of Australia, 178, 272-276.
5. Whang, W., Kubzansky, L. D., Kawachi, I., Rexrode, K. M., Kroenke, C. H., Glynn, R. J., Garan, H., Albert, Christine M. (2009). Depression and Risk of Sudden Cardiac Death and Coronary Heart Disease in Women - Results From the Nurses’ Health Study. Journal of the American College of Cardiology, 53, 950-958.
6. Sirois, B. C., & Burg, M. M. (2003). Negative Emotion and Coronary Heart Disease: A Review. Behavior Modification, 27, 83-102.
7. Grippo, A. J., & Johnson, A. K. (2009). Stress, depression, and cardiovascular dysregulation: A review of neurobiological mechanisms and the integration of research from preclinical disease models. Stress,12, 1-21.
8. Johnson, A. K., & Grippo, A. J. (2006). Sadness and Broken Hearts: Neurohumoral Mechanisms and Co-Morbidity of Ischemic Heart Disease and Psychological Depression. Journal of Physiology and Pharmacology, 57, 5-29.
9. Barger, S. D., Sydeman, S. J. (2005). Does generalized anxiety disorder predict coronary heart disease risk factors independently of major depressive disorder? Journal of Affective Disorders, 88, 87-91.
10. Kawachi, I., Sparrow, D., Vokonas, P. S., Weiss, S. T. (1994). Symptoms of anxiety and risk of coronary heart disease. The Normative Aging Study. Circulation, 90, 2225-2229.
11. Pieper, S., Brosschot, J. F., van de Leeden, R., Thayer, J. F. (2007). Cardiac Effects of Momentary Assessed Worry Episodes and Stressful Events. Psychosomatic Medicine, 69, 901-909.
12. Brosschot, J. F., Gerin, W., & Thayer, J. F. (2006). The perseverative cognition hypothesis: A review of worry, prolonged stress-related physiological activation, and health. Journal of Psychosomatic Research, 60, 113-124.
13. Kubzansky, L. D, & Kawachi, I. (2000). Going to the heart of the matter: do negative emotions cause coronary heart disease? Journal of Psychosomatic Research, 48, 323-337.
14. Chida, Y., & Steptoe, A. (2009). The Association of Anger and Hostility With Future Coronary Heart Disease - A Meta-Analytic Review of Prospective Evidence. Journal of the American College of Cardiology, 53, 936-46.
15. Strike, P. C., & Steptoe, A. (2004). Psychosocial Factors in the Development of Coronary Artery Disease. Progress in Cardiovascular Diseases, 46, 337-347.
16. Schwartz, A. R., Gerin, W., Davidson, K. W., Pickering, T. G., Brosschot, J. F., Thayer, J. F., Christenfeld, N., & Linden, W. (2003). Toward a Causal Model of Cardiovascular Responses to Stress and the Development of Cardiovascular Disease. Psychosomatic Medicine, 65, 22-35.
17. Pieper, S., & Brosschot, J. F. (2005). Prolonged Stress-Related Cardiovascular Activation: Is There Any? Annals of Behavioral Medicine, 30, 91-103.
18. Kamarck, T. W., Schwartz, J. E., Shiffman, S., Muldoon, M. F., Sutton-Tyrrell, K., Janicki, D. L. (2005). Psychosocial Stress and Cardiovascular Risk: What is the Role of Daily Experience? Journal of Personality, 73, 1749-1774.
19. Wright, C. E., O'Donnell, K., Brydon, L., Wardle, J., Steptoe, A. (2007). International Journal of Psychophysiology, 63, 275–282. 
20. Lovallo, W. R., & Gerin, W. (2003). Psychophysiological Reactivity: Mechanisms and Pathways to Cardiovascular Disease. Psychosomatic Medicine, 65, 36-45.
21. Larsen, B. A., Christenfeld, N. J. S. (2009). Cardiovascular Disease and Psychiatric Comorbidity: The Potential Role of Perseverative Cognition. Cardiovascular Psychiatry and Neurology, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2790803/, acessado em 02.02.2010.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Meu querido ex

Relacionamentos costumam ser difíceis. Fins de relacionamento, então... Aliás, é comum regredirmos alguns (ou vários) graus de maturidade e nos pegar fazendo ou pensando coisas envergonháveis. Mesmo assim, a vida segue e, depois da readaptação, podemos retomar um contato saudável, certo?
Depende. Essa é a conclusão de pesquisadores americanos da University of Arizona. Em artigo publicado na revista Personal Relationships, apontaram fatores que contribuem para a proximidade ou distanciamento pós-namoro. A conta a ser feita é simples:
  • recompensasbarreiras = qualidade do relacionamento pós-namoro.
Recompensas são seus ganhos na interação com o parceiro falecido e barreiras são os fatores que dificultam essa interação.
Mesmo que seus motivos particulares para se manter afastada do traste do seu ex sejam diferentes, esses pesquisadores descobriram que geralmente no pós-namoro, 
a qualidade da relação aumenta quando
  • seu/sua ex provê mais recompensas (de qualquer natureza) e
  • você sente satisfação com essas recompensas,

mas diminui quando
  • sua família acredita que você deve se afastar,
  • seus amigos acreditam que você deve se afastar,
  • um dos dois já tem um novo amor (essa dói na alma...) e
  • um dos interessados agiu com descuido no término (ignorou/foi hostil).
Embora não amenize o sofrimento, assim podemos entender melhor a existência e o funcionamento da vida após a separação. E, como diria o primo do Belchior, quem tem porque sofrer, suporta quase qualquer como.

Observações: